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Domicílios lideram o ranking de locais onde ocorrem surtos de doenças de origem alimentar

Por Eduardo - Difusão

Última atualização em 27/10/2015

Falta de higiene dos manipuladores do alimento, vegetais mal lavados, porte assintomático de patógenos e contaminação cruzada são alguns vilões das síndromes alimentares no Brasil

A expressão é bem conhecida dos brasileiros: “nada como comer em casa”. Isso porque, reza a lenda, além do alimento preparado em casa ser do jeito que a gente gosta, acredita-se que seja mais saudável e preparado de forma mais higiênica. Mas, de acordo com o professor Uelinton Pinto, pesquisador do FoRC (Centro de Pesquisa em Alimentos) e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, isso pode ser um mito.

“Estatísticas de doenças de origem alimentar entre os anos de 2000 e 2014 dão conta de que, no Brasil, os domicílios ocupam o primeiro lugar no ranking dos locais onde acontecem surtos desse tipo de patologia, respondendo por 39%. Os restaurantes e padarias ocupam o segundo lugar, com 15,4% e as escolas e creches aparecem em terceiro, com 8,6%”, esclarece, citando dados do Departamento de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde. Segundo ele, muitas vezes, as doenças de origem alimentar não são notificadas, e por isso, esses números são subdimensionados. Na prática, o número de surtos é muito maior do que o reportado nos dados epidemiológicos.

Ele afirma que os problemas de origem alimentar acontecem em maior grau com alimentos crus, seja de origem animal ou vegetal. “Os alimentos processados vêm com a garantia da indústria, então existem poucos surtos originados por alimentos processados. O problema acontece, em geral, quando o alimento chega em casa e a embalagem é aberta, uma vez que há o risco de recontaminação.”

Segundo o professor, a contaminação pode ocorrer por vários vetores e diferentes motivos. “Entre eles destaco as mãos do manipulador, que podem estar mal higienizadas, por exemplo. Ou ele pode, ainda, ser portador assintomático de patógenos, como o Staphylococcus aureus. Nessa condição, o micro-organismo não faz mal ao portador. Mas a toxina que essa bactéria pode produzir quando presente no alimento pode fazer mal a muitas pessoas. Trata-se de uma bactéria encontrada na pele, nos cabelos, nas unhas ou na mucosa nasal de cerca de 30% da população mundial”, afirma. Uelinton diz que é muito comum a contaminação dos alimentos pelo S. aureus não somente em casa, mas também em estabelecimentos diversos e em eventos que envolvem grande número de manipuladores de alimentos, principalmente em situações em que, já tendo preparado o alimento, o manipulador entra novamente em contato com ele e o deixa em temperatura inadequada. “É a condição ideal para a produção da toxina.” 

O próprio alimento cru pode também estar contaminado com micro-organismos patogênicos. “Não que necessariamente todo alimento cru apresente micro-organismos patogênicos, porém existe um risco associado a esses produtos. Sendo assim, o consumidor manuseia esse alimento cru, uma carne, por exemplo em cima de uma tábua, e coloca para cozinhar. O cozimento mata os micro-organismos. Aí ele tira aquela carne pronta da panela e volta a manuseá-la em cima da mesma tábua em que cortou o alimento cru, sem lavá-la. E assim, contamina o alimento novamente. É o que chamamos de contaminação cruzada: o contato do alimento cozido com o alimento cru”, resume.

Uelinton também chama atenção para os vegetais. “Apesar de serem ricos em nutrientes e fazerem muito bem à saúde, muitos são cultivados em contato direto com o solo, expostos ao ambiente. Podem ter sido adubados com esterco que não passou por processo adequado de compostagem, regados com água cuja qualidade não conhecemos, enfim, respeitadas as boas práticas agrícolas, isso não seria um problema. Portanto, se esse vegetal cru não for bem higienizado, pode veicular patógenos também. Temos visto vários surtos provocados por vegetais contaminados com patógenos, no exterior, com consequências dramáticas à saúde e a economia de vários países. É preciso lavar os vegetais com água de boa qualidade, e depois aplicar algum desinfetante. Vinagre é muito efetivo por conter o ácido acético que é um bom antimicrobiano. Ou o hipoclorito, naturalmente”, afirma.

Um outro problema é a manutenção do prato à temperatura inadequada. “É um dos principais motivos de ocorrência de doenças causadas por alimentos dentro de casa, e em eventos como casamentos, grandes banquetes. É aquele almoço deixado sobre o fogão ou, no caso dos eventos, a comida feita com muita antecedência, sem o devido cuidado com a refrigeração. Tem de colocar na geladeira. E não precisa esperar o prato esfriar, isso é mito também. A temperatura ideal para manter a geladeira é em torno de 4ºC. E pratos quentes teriam de ser mantidos acima de 62ºC até o momento do consumo”, explica ele.
Segundo Uelinton, no Brasil, entre as bactérias, a maior causadora de doença de origem alimentar (normalmente classificada como intoxicação ou infecção alimentar) é a Salmonella spp., seguida do Staphylococcus aureus e do Bacillus cereus. Há ainda um elevado número de surtos por Clostridium perfringens e pela Shiguella spp. nas nossas estatísticas. Entre os vírus, ele destaca o da Hepatite A, o Rotavírus, e o Norovírus.

O pesquisador lembra que, em países em desenvolvimento, as doenças de origem alimentar são algumas das principais causas de mortalidade, especialmente em crianças menores que cinco anos de idade. E esclarece: “A Salmonella é um problema porque causa muitos surtos, embora a taxa de mortalidade seja baixa: menos de 0,1% daqueles que adquirem Salmonella morrem por conta da infecção alimentar. Parece pouco, mas depende do número absoluto. Só nos EUA, estima-se que 1 milhão de pessoas por ano contraiam Salmonella, que leva mais de 300 pessoas a óbito, segundo estudo do CDC (Center for Disease Control and Prevention).” No Brasil, a Salmonella foi responsável por 39% dos surtos documentados entre 2000 a 2014. “Ela não é tão virulenta, mas as pessoas morrem porque já estão em condições vulneráveis, frágeis. Idosos, crianças muito pequenas, pessoas com problemas imunológicos, portadores de HIV. São o grupo de risco”, alerta.

Entre os micro-organismos mais virulentos e letais, o pesquisador destaca o Clostridium botulinum. “Ele causa o botulismo. Felizmente são poucos os casos no mundo. Mas a toxina dele é uma das substâncias mais venenosas do planeta. A ingestão de apenas 30 nanogramas dessa toxina pode levar à morte”, alerta.

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